Prisão de ventre na infância
quarta-feira março 31, 2010
Os distúrbios de defecção são um problema freqüente em crianças e representam aproximadamente 3% das consultas em pediatria de um modo geral e entre 10 a 25% das consultas em gastroenterologia infantil.1 Dentro deste grupo de transtornos, a constipação funcional (prisão de ventre) é o problema mais freqüente. O escape fecal (encoprese) é outra causa freqüente de consulta, relativa a problemas de defecação. Este fenômeno se define como um escape de pequena quantidade de fezes, que ocorre de forma involuntária, freqüentemente associada à impactação fecal.
O escape fecal pode ser secundário a retenção fecal, a alterações físicas (malformações congênitas, transtornos neurológicos, defeitos pós-cirúrgicos) ou em menor freqüência a problemas psicológicos e emocionais.
Deste modo, encoprese é definida com base em um sinal clínico e pode ocorrer na presença ou não de prisão de ventre.
A constipação intestinal (CI) ou prisão de ventre e a retenção fecal na grande maioria dos indivíduos em idade pediátrica, são secundárias a transtornos da função defecatoria e em menor freqüência é resultado de doenças orgânicas.
Normalmente a retenção fecal se inicia quando as crianças aprendem a controlar os esfíncteres, ou no inicio da idade escolar. Com a retenção, voluntária ou não, que se prolonga no tempo além do devido, as fezes se acumulam no intestino chegando a juntar se em grande quantidade, com diminuição do seu conteúdo de água, o que as torna muito duras e secas.
A dificuldade aumenta com o tempo o que leva a criança a reter as fezes voluntariamente, por medo a evacuar (adota uma postura ereta com as pernas juntas, contraindo os músculos, evitando a defecação). Como conseqüência, o reto se acomoda ao conteúdo de fezes, e a vontade de defecar desaparece. Deste modo, as fezes se tornam cada vez mais difíceis de evacuar, o que leva a um círculo vicioso, no qual o reto se distende devido ao conteúdo anormalmente volumoso e firme. Uma vez dilatado, o reto diminui sua força e sensibilidade, e a criança necessita de um volume de fezes cada vez maior para que se desencadeie a vontade de evacuar.
O reto constantemente ocupado pelas fezes leva, desta forma, a uma incontinência fecal por escape de parte líquida das fezes, cada vez que a criança tenta eliminar gases. O mecanismo que explica este fenômeno é o escorrimento de fezes de consistência mais líquida em volta da grande massa fecal dura acumulada no reto e o fato que o anus esteja entreaberto.
A falta de consciência frente a presença de fezes no reto leva a uma diminuição das tentativas de defecação e, por tanto, facilita o escorrimento fecal.
Algumas drogas também podem causar prisão de ventre, como fenitoína, imipramina, fenotiazinas, preparações contendo ferro, xaropes contendo codeína, vincristina, etc.
Calcula se que de 1 a 3, em cada 100 crianças em idade escolar, apresentem algum nível de constipação intestinal. A taxa de encoprese (ver definição acima), informada em uma publicação recente, é de 2,8% aos 4 anos de idade, 1,9% aos 6 anos e 1,6% entre os 10 e 11 anos, sendo bem mais freqüente em meninos que em meninas.
Classificação
A constipação intestinal geralmente é secundaria a alterações dos hábitos de vida ou a alterações alimentares ou medicamentosas. Corrigidos estes fatores o hábito intestinal volta ao normal.
A constipação intestinal pode ser observada desde o lactente até crianças maiores, podendo assim ser classificada:
a) Lactente menor que 6 meses com choro prévio à defecação;
b) Constipação funcional: fezes endurecidas na maioria das evacuações ou freqüência menor que 2 vezes por semana, na ausência de doenças orgânicas.
c) Retenção fecal funcional: crianças de 1 a 16 anos de idade com eliminação de fezes calibrosas, menos que 2 vezes por semana, com receio de evacuar, podendo ocorrer escape fecal involuntário.
d) Sem retenção fecal: idade superior a 4 anos, evacuação em local e horário inapropriado.
Sintomas
O quadro clinico da constipação intestinal varia muito, desde eliminação de fezes com desconforto até dor ao evacuar, que se acompanha de gritos e sintomas de retenção. O escape fecal pode ocorrer várias vezes por semana ou várias vezes ao dia, e geralmente está associado à presença de grande quantidade de fezes no reto e também massas fecais que são sentidas na palpação do abdome.
Geralmente, ocorre melhora da CI até os 16 anos de idade, mas os sintomas podem persistir na vida adulta.
Outros sintomas como problemas de comportamento, queda no rendimento escolar e ansiedade crônica, muitas vezes são atribuídos ao quadro de constipação.
A constipação intestinal também leva a uma dificuldade de eliminação de urina, estando muitas vezes associada à infecção do trato urinário em 30 a 40% dos casos de constipação intestinal crônica.
Também são observados outros sintomas, como: vômitos, náuseas, falta de apetite, sangue nas fezes (secundário a traumas no ânus, quando da eliminação de fezes muito endurecidas), indisposição, excesso de gases, emagrecimento, picos febris e dor de cabeça.
A constipação é definida como oculta em indivíduos que, embora evacuem mais que 3 vezes por semana, eliminam pequena quantidade de fezes ou apresentam somente queixa de dor abdominal.
O toque retal, que deve ser realizado na primeira ou segunda consulta, é útil também para o diagnóstico de estreitamento do reto, alteração da força da musculatura da região anal, presença de tumoração retal e, também, para verificar se o reto está vazio.
Geralmente a incontinência fecal se manifesta por evacuações de pequena ou media quantidade, que sujam a roupa íntima da criança e são eliminadas de forma involuntária.
Na prisão de ventre com retenção de fezes, os episódios podem ocorrer em qualquer situação, sem desencadeantes emocionais. No entanto a base da retenção fecal funcional é a conduta “evitativa” da criança, devido ao medo de uma defecação dolorosa. Isto resulta num circulo vicioso que perpetua e agrava a constipação.
Em relação aos exames de laboratório, geralmente não são necessários para fazer o diagnóstico. No entanto deve se realizar exame de urina e urocultura, devido à associação freqüente de Infecção urinaria com estes transtornos.
Os exames radiológicos usualmente não estão indicados como parte do estudo, mas podem ser uma ferramenta útil em alguns casos.
A medida da pressão retal não deve ser realizada rotineiramente, exceto quando houver forte suspeita de uma alteração do esfíncter anal.
A associação entre o componente psicológico-emocional e os transtornos da defecação tem sido um tema de interesse e controvérsia. As crianças com escape fecal freqüente apresentam baixa auto-estima e freqüentemente são retraídos.
Um estudo recente demonstrou que essas crianças têm mais distúrbios de conduta. Todas estas características são com grande probabilidade, secundarias aos problemas de constipação intestinal e não a sua origem.
Ao corrigir os transtornos da defecação, se normalizam os padrões de conduta na maioria das crianças.
Muitos destes pacientes são castigados e marginalizados por suas famílias e por outras pessoas, devido a este problema, antes que os pais se decidam a consultar o médico. A demora em realizar a consulta médica resulta do fato de que os pais acham que estes transtornos são um problema transitório que se solucionará à medida que a criança cresça.
No meio médico pode ocorrer demora em orientar os pais da criança em procurar um gastroenterologista, porque existe uma idéia equivocada de que se trata de um problema psicológico e que deve ser inicialmente tratado por um profissional da área de saúde mental. Tudo isso leva a uma piora do estado emocional do paciente, que tenta ocultar a situação, favorecendo seu isolamento, o que diminui ainda mais sua auto-estima.
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Correção da dieta§
Lavagem intestinal está indicada e a medicação laxativa deve ser iniciada.§
Se houver má aceitação de dieta com fibras está indicada a metilcelulose.§
A educação, tanto para a família como para a criança é o mais importante componente do tratamento.§
Informações gerais para o conforto na hora de defecar (os pés da criança devem estar apoiados no chão ou em um banquinho).§
O óleo mineral não deve ser prescrito para pacientes com quadros neurológicos, crianças menores de 1 ano, crianças com história de vômitos devido ao risco de aspiração pulmonar,1. Loening-Baucke V: Chronic constipation in children. Gastroenterology 1993; 105: 1557-63.
2. Rasquin-Weber A, Hyman P, Cucchiara S, et al: Childhood functional gastrointestinal disorders. Gut 1999; 45: 60-8.
3. Borowitz S, Cox D, Sutphen J: Treatment of Childhood Encoprese: A Randomized Trial Comparing Three Treatment Protocols. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2002; 34: 378-84.
4. Levine M: Children with encoprese: a descriptive analysis. Pediatrics 1975; 56: 412-6.
5. Levine MD, Backow H: Children with encoprese: a study of treatment outcome. Pediatrics 1976; 58: 845-97.
6. Levine MD: Encoprese: its potentiation, evaluation, and alleviation. Pediatr Clin North Am 1982; 29: 315-30.
7. Brazzelli M, Griffiths P: Behavioural and cognitive interventions with or without other treatments for defaecation disorders in children. Cochrane Database Syst Rev 2001.
8. Di Lorenzo C, Benninga M: Pathophysiology of Pediatric fecal Incontinence. Gastroenterology 2004; 126: 33-40.