Resultados de exames de câncer podem enganar
segunda-feira agosto 18, 2008
Por anos os pacientes vêm sendo informados de que detecção prematura do câncer pode ajudar a salvar suas vidas. Se o câncer for localizado antes que os sintomas surjam, propõe essa linha de raciocínio, a chance de superar a doença passa a ser maior.
Assim, pode ter parecido surpreendente que um painel de especialistas tenha, na semana passada, oferecido o conselho exatamente oposto. Eles instaram os médicos a deixar de examinar homens mais velhos em busca de câncer de próstata, uma doença que deve causar a morte de 28,6 mil norte-americanos este ano.
O conselho permite que consideremos os potenciais aspectos negativos dos testes de câncer e de nossa busca aparentemente incansável por detectá-lo o mais cedo possível.
No caso em questão, envolvendo homens de 75 anos ou mais, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA concluiu que exames preventivos de câncer de próstata mais atrapalham que ajudam.
“Nós fizemos excelente trabalho de saúde pública ao convencer as pessoas de que exames preventivos de câncer funcionam”, disse Peter Bach, especialista em doenças pulmonares e epidemiologista no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York. “Sentimo-nos desconfortáveis com a idéia de que alguns testes funcionam e outros não. Isso parece confundir as pessoas”.
Mas a verdade é que embora alguns testes preventivos de câncer salvem vidas – como o papanicolau, que detecta câncer cervical, e a mamografia, para cânceres de mama -, os benefícios de outros testes são menos claros.
Os estudos sobre testes de câncer pulmonar, por exemplo, não comprovam que eles ajudam a prolongar a vida. Um esforço em massa de testes de neuroblastoma em crianças japonesas foi suspenso depois que se tornou claro que o esforço não só não estava salvando crianças como conduzir a tratamentos arriscados de tumores que não constituíam risco de vida.
Os argumentos quanto aos testes prévios de câncer de próstata pareciam mais fortes. Alguns indicadores apontam que a incidência da doença despencou nos Estados Unidos depois que o teste de presença do antígeno específico da próstata, que determina o nível de presença de uma proteína que pode sinalizar câncer de próstata, foi adotado.
Mas os dados na verdade são altamente enganosos. A introdução de um teste pode deflagrar grandes flutuações estatísticas cuja interpretação se prova difícil. Mas caso estudemos as estatísticas de câncer de próstata dos anos 70, bem antes da introdução do exame, a incidência de mortes caiu apenas ligeiramente.
O pequeno declínio parece se dever mais a melhoras no tratamento, dizem muitos especialistas, ainda que alguns argumentem que a detecção antecipada também influencia o resultado.
Não se saberá por ainda alguns anos se o teste melhorou a situação dos homens mais jovens. Primeiro será preciso aguardar os resultados de dois testes clínicos de longo prazo que estão estudando a questão.
Mas como a detecção antecipada de câncer na próstata poderia não ajudar a salvar a vida de um paciente? Para começar, larga porcentagem dos cânceres de próstata não é mortal.
Eles demoram a crescer e é improvável que resultem em sintomas antes do final da expectativa de vida de um homem. Algumas estimativas apontam que até 44% dos homens que tiveram cânceres de próstata tratadas como resultado do exame não precisariam tê-lo sido. Caso não houvesse tratamento, eles teriam morrido de alguma outra força e jamais teriam sabido que eram portadores do câncer.
“Os testes não descobrem apenas cânceres potencialmente letais; eles apanham tumores que podem parecer idênticos aos tradicionais mas que não se comportam da mesma maneira em termos biológicos”, disse o Dr. Barry Kramer, diretor associado de prevenção de doenças no Instituto Nacional de Saúde norte-americano. “Alguns deles crescem tão devagar que jamais causariam problemas médicos ao longo da vida do paciente”.
No caso dos testes de câncer de próstata, a força-tarefa, um painel de especialistas que faz recomendações sobre cuidados preventivos para pessoas saudáveis, disse que não havia prova suficiente para recomendar que homens mais jovens passem pelo exame, ainda que tenha instado os médicos a informar seus pacientes sobre os potenciais benefícios e os riscos de um teste.
Mas o painel concluiu que 75 anos é a idade em que os riscos começam a superar claramente os benefícios, e a doença, caso detectada, mais provavelmente não teria efeito significativo sobre a expectativa de vida do paciente.
Outro problema na determinação do valor dos testes é a chamada “distorção de tempo de espera”. Por exemplo, uma pessoa que receba um diagnóstico de câncer pulmonar aos 65 anos pode morrer aos 67 e ser classificada como alguém que sobreviveu por dois anos à doença.
Mas se o mesmo paciente recebesse o diagnóstico aos 57 anos, e morresse da mesma forma aos 67, ele seria classificado como alguém que sobreviveu 10 anos à doença.
O segundo resultado parece muito melhor, mas a realidade é que o diagnóstico antecipado e o tratamento não teriam prolongado a vida do paciente: em ambos os casos, a morte teria vindo aos 67 anos.
“Mesmo um teste de resultado desfavorável poderia parecer benéfico, superficialmente”, disse Kramer. “Porque medimos a sobrevivência com base na data de diagnóstico, mesmo que a pessoa morra da mesma causa e na mesma data em que morreria sem o teste, a impressão seria a de que a sobrevivência foi mais longa”.