Fumaça se alastra entre as crianças


quarta-feira dezembro 8, 2010

Organização Mundial de Saúde revela que elas representam 40% das mortes causadas, a cada ano, pelo fumo passivo no Brasil Repórter: Max Milliano Melo Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgada no fim de novembro trouxe um dado preocupante: 40% dos 7,5 mil brasileiros que morrem anualmente em consequência direta do fumo passivo são crianças. Ou seja, a cada 3 horas, uma criança perde a vida em consequência dos cigarros de outras pessoas. Especialistas alertam que a exposição diária ao vício de familiares pode causar o desenvolvimento de problemas respiratórios como asma e desenvolvimento mais lento dos pulmões. O pesquisador Mattias Öberg, do Instituto Karolinska, da Suécia, autor do estudo da OMS, explica que, embora o fumo passivo seja um problema para crianças de todo o mundo, em algumas regiões a situação é pior. “A exposição à fumaça do cigarro é maior na Ásia e na Europa Oriental, por exemplo, onde, respectivamente, 67% e 61% das crianças têm pelo menos um dos pais fumando”, contou o especialista. A causa é um alto índice de adultos fumantes nessas regiões. O oncologista Murilo Buso explica que, independentemente da fase de desenvolvimento, o cigarro causa efeitos negativos. “Em todas as fases da vida o cigarro causa efeitos negativos para a criança. Desde a gestação até a chegada à vida adulta, o tabaco aumenta a chance de doenças respiratórias, dificulta o desenvolvimento e aumenta as chances de morte súbita em bebês”, explica o médico. Ele conta que, ao contrário do que ocorre entre os adultos, nas crianças os efeitos do cigarro são mais rápidos. “Eu costumo dizer que, nos adultos, o cigarro é uma bomba-relógio: não causa nenhum efeito a curto prazo, mas depois de um tempo tem o seu preço”, afirma Murilo. “Entre as crianças, porém, o efeito é imediato. Em pouco tempo, os problemas respiratórios e cardíacos podem surgir”, completa o especialista. A chefe do Programa de Controle de Tabagismo e Outros Fatores de Risco, desenvolvido no Instituto Nacional do Câncer (Inca), Tânia Cavalcante, explica que isso acontece porque as células infantis são mais sensíveis que as dos adultos. “Além disso, as crianças têm um ritmo respiratório mais rápido que o dos adultos, por isso elas inalam mais fumaça. Como os corpo são menores, as substâncias cancerígenas acabam se acumulando nas células, o que causa um desenvolvimento mais rápido de doenças”, afirma. Defesa dos filhos A secretária Alessandra Aguiar de Souza, 29 anos, tem consciência dos males do fumo passivo, por isso, quando engravidou de gêmeos, decidiu que era hora de parar. “Eu já tinha essa vontade antes, então a gravidez foi o estímulo para eu botar esse desejo em prática”, explica Alessandra. “Foi mais por uma questão de saúde, sabia o quanto é prejudicial fumar durante a gravidez. Quando meus filhos nascessem, não gostaria que eles convivessem com o cigarro”, conta a mãe de Ana Luiza e Victor Hugo, 5 anos. Deixar o cigarro nem sempre é uma tarefa fácil. Depois do nascimento dos filhos, Alessandra teve algumas recaídas com o cigarro. “Eventualmente, em uma festa ou quando estou bebendo e vejo as outras pessoas fumando me dá vontade, mas não chego a comprar um carteira de cigarros, apenas fumo alguns com meus amigos”, conta. “Mesmo assim, meus filhos nunca me viram fumando, e pretendo que nunca vejam.” Essa decisão de manter os filhos afastados do cigarro veio por outro medo de Alessandra. “Além dos problemas de saúde que eles poderim ter por causa da fumaça, tenho medo de que, me vendo fumando, eles ‘aprendam’ a fumar”, explica. Para ela, os pequenos se inspiram muitos nos pais, e o cigarro pode ser um exemplo ruim para eles. “Eu e meu marido temos tatuagens. Um dia desses minha filha chegou para mim e perguntou: ‘Mãe, quando poderei fazer a minha tatuagem?’. Se com 5 anos ela já quer imitar o que fazemos, não quero que ela queira imitar tambem o cigarro”, conclui a secretária. Para Mattias Öberg, iniciativas como a adotada por São Paulo, que limitou o fumo em locais públicos, ajudaria a solucionar o problema. “Da Escandinávia, vemos que a exposição tem caído drasticamente nos últimos 10 anos. As ferramentas mais eficientes de nossa experiência têm sido a proibição do fumo em escolas, locais de trabalho e locais públicos como restaurantes e bares”, afirma o pesquisador. “Outra iniciativa eficaz foi diminuir a visibilidade dos produtos do tabaco em estabelecimentos comerciais e em propagandas, além de informar os pais sobre a maneira mais eficaz para melhorar a saúde de seus filhos: ou seja, parar de fumar.” Exposição indireta O publicitário Raphael Ohatta, 27, concorda com a opinião do pesquisador sueco. No entanto, para ele, deixar o cigarro se tornou uma tarefa complicada. “Na teoria, todos esses argumentos para parar de fumar são ótimos, mas na prática é muito difícil”, conta o rapaz, que há três meses se tornou pai da pequena Giovanna. “Quando ela nasceu, decidi deixar de fazer algumas coisas, levar uma vida mais responsável. Sem dúvida, o que tem sido mais difícil é o cigarro”, lamenta. Para ele, a dificuldade está associada ao convívio social com outros fumantes. “Quase todos os meus amigos fumam. Eu passo o dia todo me controlando, aí encontro com o pessoal à tarde e todo mundo está com o cigarro aceso”, conta o pai, que admite que já teve suas recaídas. “Apesar disso, sou contra a restrição do fumo em locais públicos, acho que cabe a mim resistir e não cair em tentação”, pondera. A tentativa de Raphael é aprovada pela representante do Inca Tânia Cavalcante. Ela conta que mesmo quem fuma longe dos filhos acaba prejudicando-os. “Pesquisas mostram que várias substâncias tóxicas presentes no cigarro permanecem impregnadas em cortinas e tapetes. Então, mesmo que os pais só fumem quando os filhos não estão, mais tarde eles podem brincar naquele local e se expor a essas substâncias nocivas”, completa. Apesar dos problemas, os especialistas acreditam que a situação tende a melhorar. “Com medidas de controle do tabaco em lugares públicos, a proibição da propaganda e as campanhas de conscientização, estamos criando uma geração livre de tabaco, que evitará que no futuro mais crianças sejam vitimadas”, afirma a secretária de Políticas de Controle do Tabaco da Prefeitura de Florianópolis, Senen Hauss.