Dormir acompanhado reduz a qualidade do sono, dizem médicos


quarta-feira novembro 21, 2012

A decisão do casal não é incomum, nem seu constrangimento. “Cerca de 40% dos meus pacientes dormem em camas ou quartos separados. Quase nenhum admite isso para a família”, diz a otorrinolaringologista e médica do sono Ângela Beatriz Lana.
Um adulto médio tem entre 20 e 30 microdespertares por noite, momentos em que o sono REM, mais profundo e restaurador, é interrompido e a pessoa volta a uma etapa superficial. Ao trocar de posição na cama ou ranger os dentes a pessoa chega a um estado de semiconsciência. Quase acorda, mas não percebe. Quanto mais microdespertares tiver, mais cansada vai levantar no dia seguinte.
“Dividir a cama chega a dobrar a quantidade de microdespertares. É muito romântico, mas um fracasso do ponto de vista da saúde”, diz Maurício Bagnato, médico do laboratório do sono do Hospital Sírio-Libanês.
Insônia, ronco, apneia, discordâncias sobre a temperatura do ar-condicionado, horários diferentes para dormir e acordar, presença de TV e aparelhos eletrônicos no quarto são os problemas mais citados pelos casais que resolveram dormir separados.
A secretária Lia da Costa e o eletricista João Carlos da Costa dormem em quartos diferentes desde o primeiro mês de casados, há 28 anos. “Pensam que é falta de amor, mas não é. A gente faz tudo que um casal normal faz”, afirma Lia.
João, 53 não ronca, mas gosta de fumar e assistir à TV durante a noite. Já Lia, 50, acorda assim que ouve o barulho. “Nas primeiras noites eu ficava esperando ele dormir para desligar a TV.
Quando desligava, ele acordava. Agora, até na casinha de praia, que só tem um quarto, ele prefere ficar na sala”, diz.
Os filhos do casal acham o hábito estranho. “Eles sempre tiveram um pouco de vergonha disso, de pensarem que os pais não se gostavam.”
HÁBITO RECENTE
Cultivar o próprio espaço também é razão frequente para a separação de corpos.
Juntos há 32 anos, os empresários Aurea Teodoro, 47, e Edmur Bastoni, 49, só não dividem a cama.
“A decisão foi tão natural que nem lembro de quem partiu. Somos pessoas independentes. Além disso, trabalhamos juntos. Ficar no mesmo quarto seria uma overdose”, afirma Aurea.
Dormir junto é um hábito recente motivado antes por necessidade do que por romantismo, explica Neil Stanley, médico do sono e ex-presidente da Sociedade Britânica do Sono.
“Quando a Revolução Industrial apinhou as pessoas em pequenos espaços foi inevitável que os casais passassem a dividir o quarto. Antes, os pobres dormiam todos no mesmo cômodo e os ricos tinham um quarto para cada um”, disse ele à Folha.
“Hoje as pessoas dormem com cachorro, filho, parceiro. Pode anotar: a qualidade do seu sono cai 20% para cada ser vivo que você inclui debaixo do lençol”, diz Stanley.
Segundo o pesquisador, se você divide uma cama de casal padrão, dorme com nove centímetros a menos de espaço do que uma criança sozinha num colchão infantil.
Luciana Palombini, do Instituto do Sono da Unifesp, acha exagerado incentivar casais a dormirem separados. “A companhia traz prejuízos ao sono, mas pode trazer benefícios emocionais.
Dormir junto passa segurança e aconchego, o que é bom para tudo, inclusive para o sono.”
“O casal perde momentos preciosos ao dormir separado”, opina Cristiana Pereira, presidente do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo. “A rotina é tão perversa, cada um tem seu horário. Aquela conversinha gostosa antes de dormir é o contato mais significativo para muitos.”
Segundo a terapeuta, compartilhar a cama também aumenta a frequência do sexo.
PIOR TRANSA
Já a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins discorda: “Relação íntima não depende de dormir junto. Por que o sexo funciona entre os amantes? Porque é agendado. Espontaneidade não funciona nesse assunto. Aquela transa que acontece quando um pé esbarra no outro é a pior de todas”, diz.
Uma pesquisa da Universidade de Surrey, na Inglaterra, feita com 40 casais, chegou a resultados interessantes. No estudo, os casais dormiram juntos por dez dias e separados por outros dez.
O sono era monitorado por aparelhos e a cada manhã os voluntários eram convidados a classificar sua noite entre “boa”, “razoável” ou “ruim”. No fim da pesquisa, os aparelhos mostraram que as noites solitárias eram 50% melhores, em termos de qualidade de sono, mas os entrevistados diziam exatamente o contrário.
“Tudo que envolve o sono é muito individual”, comenta Bagnato. “Do ponto de vista médico nós deveríamos dormir sozinhos. Mas quem são os médicos para escolher como uma pessoa dorme ou deixa de dormir?”, conclui.