Como tratar da depressão pós-parto
segunda-feira setembro 10, 2012
Estudos científicos do período do pós-parto foram negligenciados por décadas.
O maior interesse surgiu do fato de que as mulheres têm uma chance duas vezes
maior de terem depressão principalmente durante a vida reprodutiva e nos
períodos de oscilações hormonais como o pré-menstrual, o pós-parto e a
perimenopausa – período ao redor da menopausa, caracterizado pelas oscilações
dos níveis hormonais e sintomas físicos/psíquicos como fogachos (ondas de
calor), insônia, tristeza e irritabilidade, por exemplo.
Pesquisas epidemiológicas estimam que mais de 80% das mulheres vivenciam,
durante os anos de vida reprodutiva, alguns sintomas depressivos associados aos
períodos do pré e pós-parto. A própria Associação Psiquiátrica Norte-Americana
(APA) reconhece que os transtornos de humor nestes períodos tenham
características particulares. Embora a flutuação do humor possa ocorrer em até
80% das mulheres, apenas 10% a 20% efetivamente irão desenvolver algum
transtorno do humor.
Os quadros clínicos depressivos neste período são
basicamente três com diferentes níveis de gravidade.
TRANSTORNO
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INCIDÊNCIA
|
CURSO
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QUADRO CLÍNICO
|
FATORES DE RISCO
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BLUES (branda) | 70-85% | Dos primeiros dias até 10 a 14 dias após o parto |
Instabilidade do humor, choro fácil, irritabilidade e ansiedade |
Sintomas depressivos durante a gravidez, história de depressão e transtorno disfórico pré-menstrual – forma grave de TPM |
DEPRESSÃO PÓS-PARTO (DPP) | 10% | Do primeiro até o quarto mês do pós-parto, com a mesma duração de um episódio depressivo em outra fase da vida. Pode ou não coincidir ou se confundir com o hipotireoidismo pós-parto |
Humor deprimido, culpa, ansiedade, medo de causar sofrimento ao bebê e pensamentos obsessivos |
Depressão durante a gravidez, história de depressão (especialmente depressão pós-parto prévia), problemas conjugais, falta de suporte social e eventos estressantes durante a gravidez |
PSICOSE PÓS-PARTO | 0,1%-0,2% | No primeiro pós-parto com duração variável de semanas a meses |
Confusão, alucinações e mudanças rápidas de humor (da euforia para a depressão) |
São três fatores de risco: Pessoas com histórico pessoal ou familiar de transtorno bipolar do humor Episódio prévio de psicose (por exemplo em uma gestação anterior); Ser primípara (primeiro filho) |
O que pode causar esses quadros no pós-parto?
A gravidez e o parto exercem efeitos psicológicos, fisiológicos e
endocrinológicos sobre o corpo e a mente da mulher. Muitos estudiosos tentam
comprovar que as alterações hormonais do período sejam as responsáveis pelos
quadros clínicos. Porém, a relevância dessas questões biológicas, para o ser
humano, ainda merecem melhores estudos e elucidações.
Por exemplo, embora
alguns autores tenham tentado estabelecer uma correlação entre os hormônios
femininos (estrogênio e progesterona), além da prolactina, para os quadros de
blues, até o presente momento tudo ainda é inconsistente. Outros autores
tentaram estabelecer uma correlação entre o aumento dos níveis de cortisol
plasmático (hormônio do estresse) e os quadros de depressão pós-parto ou blues,
porém, tais resultados também são inconclusivos.
Alterações tireoidianas
podem contribuir para o surgimento/agravamento dos transtornos de humor. Alguns
autores sugerem uma disfunção da glândula tireóide, disfunção esta temporária,
que pode estar associada aos quadros de DPP. Porém, outros estudos também não
confirmam tais achados.
A diminuição abrupta dos hormônios gonadais
(estrogênio e progesterona), em mulheres sensíveis às mesmas, pode causar
quadros psíquicos no pós-parto. O mesmo se refere aos mensageiros químicos
cerebrais. Por exemplo, aventa-se a hipótese de que mulheres com quedas maiores
de beta-endorfinas (analgésicos naturais), no pós-parto, possam ser mais
vulneráveis ao desenvolvimento de quadros depressivos. Porém, a hipótese da
sensibilidade individual diferente a todas as alterações fisiológicas, hormonais
ou de moduladores químicos, que ocorrem em todas as mulheres neste período,
parece ser a mais aceita.
Portanto, embora uma conclusão definitiva ainda
esteja longe de ser estabelecida, parece que os quadros puerperais são
decorrentes de uma resposta individual anormal às variações hormonais e não das
mudanças hormonais propriamente ditas.
Fatores de risco
Diversos fatores de risco têm sido associados ao surgimento desses quadros,
no pós-parto e podem ser incluídos nas seguintes categorias:
Fatores estressantes socioeconômicos
História
psiquiátrica
História psiquiátrica familiar
Traços de personalidade
(ansiosos, obsessivo-compulsivos, ansiosos, etc..)
Fatores estressantes socioeconômicos incluem
– Falta de suporte
social
– Eventos de vida negativos
– Instabilidade empregatícia
–
Inexperiência com crianças
– Gravidez não planejada
– Pessimismo pré-natal
(por exemplo, mães com abortamentos espontâneos prévios)
– Relações conjugais
precárias ou falta de companheiro estável
– Relações precárias entre a
paciente e a mãe
– Multiparidade (mais de um filho)
Muito cuidado se
deve ter com a interrupção de tratamentos psiquiátricos durante a gestação.
Novas classificações sendo avaliadas para transtornos mentais do
pós-parto
O nascimento é um fenômeno complexo em termos de psicologia.
Fatores biológicos, psicológicos e sociais interagem entre si.
Mães com partos recentes são vulneráveis a um amplo espectro de transtornos
psiquiátricos.
A classificação atual ainda utilizada, parece defasada e com os dias
contados, segundo novos estudos científicos. Ou seja, o “blues”, a depressão
pós-parto e a psicose puerperal devem dar lugar a uma nova e revolucionária
classificação, de quatro partes provavelmente, que estará presente no futuro
CID-11 (Classificação Internacional de Doenças) e DSM-V (Manual Diagnóstico e
Estatístico em Saúde Mental), a serem implementados entre 2009-2010 no mundo. O
modelo atual, embora importante, é insuficiente para explicar a grande
variedade, heterogeneidade e complexidade de todos os quadros clínicos do
pós-parto que observamos nas mulheres atendidas no Pró-Mulher (IPq-HC-FMUSP) e
em outros centros mundiais voltados à saúde mental da mulher.
Proposta atual de reclassificação dos quadros psiquiátricos do período
pós-parto
1) Psicoses, incluindo a orgânica, a psicogênica –
de origem psicólogica (relacionada a um estresse severo, como o ciúmes doentio
do marido com o nascimento do bebê) e a bipolar, esta última a mais frequente);
2) Transtornos do relacionamento mãe-bebê, que são frequentes em
10%-25% das mulheres, e que podem levar à rejeição da criança, aos maus tratos e
até infanticídios descritos. Aqui o foco afetivo é diferente daquele relacionado
à depressão propriamente dita. Isso ainda é ignorado ou subestimado na
medicina.
3) Depressão: Este conceito é importante por questões
legais, porém, do ponto de vista médico está mais enfraquecido, já que a
associação entre depressão e puerpério é fraca. Não há uma diferença
significativa de depressão entre o período do pós-parto e outros períodos de
vida da mulher. As mulheres, com depressão pós-parto, formam um grupo
heterogêneo. Algumas têm, na realidade, ansiedade, transtorno obsessivo e
transtorno do estresse pós-traumático. Muitas já tiveram outros episódios de
depressão, em momentos anteriores de suas vidas.
4) Sintomas resultantes de:
a) Fatores estressores durante o parto (transtorno do estresse
pós-traumático)
b) Transtornos de ansiedade específicos, mais
frequentes que a depressão, porém pouco enfatizados e valorizados ainda. Por
exemplo, 10% das mulheres têm início de transtorno do pânico em tal período
c) Obsessões de machucar a criança ou outras preocupações
mórbidas.
Portanto, por conta da diversidade da doença mental no pós-parto, dos riscos
ao recém-nascido e à própria mãe, intervenções mais eficazes, incluindo as
profiláticas, são necessárias, com classificações e diagnósticos psiquiátricos
mais adequados. Os dias dos atuais manuais diagnósticos e classificatórios em
saúde mental realmente parecem contados. A futura versão dos atuais CID-10
(Classificação Internacional de Doenças) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e
Estatístico em Saúde Mental, da Associação Psiquiátrica Americana) devem sofrer
uma revolução, no que tange aos transtornos psíquicos do pós-parto, com mudanças
significativas.
A relação entre mãe-filho deve ser preservada, até mesmo durante uma
internação eventual, com assistência de uma equipe multidisciplinar. A prevenção
parece ser a grande chave do tema, embora ainda seja um tema em discussão
ampla.
O tratamento deve ser individualizado de acordo com a gravidade
clínica.
A primeira opção é a prevenção. Isso é suficiente para a maior
parte dos quadros psiquiátricos do pós-parto. Estudos recentes identificaram a
existência de medidas pré e pós-parto eficazes na redução do número de mulheres
“de maior risco”. Após a identificação de tais subgrupos de mulheres, deve-se
oferecer educação, psicoterapia de apoio e até medicação quando bem indicada e
orientada. Qualquer tratamento deve envolver equipe multidisciplinar, com o
obstetra, o psquiatra e o psicólogo. O enfoque é sempre o biopsicossocial, como
em todos os transtornos mentais. Pais e familiares devem também ser orientados.
Nunca devemos nos esquecer dos aspectos da vida do casal e das próprias
expectativas de mudanças da vida social que podem intimidar ou assustar algumas
futuras mamães. A reposição hormonal com estrogênio em altas dosagens ainda
requer melhor comprovação científica.
Portanto, o tratamento psiquiátrico
das mulheres neste período é complexo. Quando a medicação for extremamente
necessária, devem ser tomados alguns cuidados fundamentais:
1º)
Todas as medicações administradas às mães durante a lactação, podem ser
excretadas no leite materno. A quantidade observada no leite materno,
entretanto, é geralmente pequena e considerada de risco mínimo para o
bebê.
2º) A exposição ao agente psicotrópico (medicação) também
pode ser minimizada se a mãe ingerir o medicamento logo após completada a
amamentação. Os psicofármacos (antidepressivos) tendem a se concentrar no leite
materno obtido entre 7 e 10 horas após a sua ingestão. O leite obtido neste
período deve ser descartado.
3º) Entre os medicamentos
considerados mais seguros estão tanto os antidepressivos tricíclicos (mais
antigos como anafranil, pamelor), quanto os inibidores seletivos da recaptura de
serotonina (Prozac, Zoloft, Cipramil, etc).
4º) “Calmantes”, como
Lorax, Valium, Lexotan não são indicados. Podem ocorrer sintomas de abstinência
no bebê (agitação, insônia, tremores e até convulsões).
5º) A
relação risco-benefício sempre deve ser respeitada na escolha dos medicamentos.
O uso de medicamentos deve ser reservado para as situações onde a exposição da
mãe e do bebê à doença oferecem maiores riscos que a exposição à medicação. A
prescrição deve ser feita por especialistas.
Por fim, exclusivamente para os casos graves, como os de psicose pós-parto,
com delírios e alucinações, envolvendo riscos tanto para a mãe, quanto para o
bebê, a ECT (Eletroconvulsoterapia), conhecida como “eletrochoque”, cheia de
tantos tabus, mitos e preconceitos é indicada. Quero realçar que a ECT realizada
em ambientes hospitalares gabaritados, é um procedimento médico seguro e eficaz,
aprovada pela Associação Mundial de Psiquiatria. O paciente é anestesiado,
não sente dor, não apresenta riscos e é monitorizado por equipe de médicos
anestesista, cardiologista e psiquiatra. Tem resultado mais rápido que a
medicação, facilitando a pronta restituição da interação mãe-filho.
Outro tratamento para depressão moderada ou grave do pós-parto a ser
testado em breve na USP, pelo Dr. Marcolin (em parceria com o Pró-Mulher), será
o de estimulação magnética transcraniana (EMT). Tal técnica, se eficaz, será
muito benéfica, pois não tem efeitos colaterais. A estimulação magnética
transcraniana (EMT) é uma técnica de estimulação cerebral não-invasiva, foi
reintroduzida e desenvolvida para o diagnóstico de transtornos neurológicos,
pois induz respostas motoras pela estimulação magnética do córtex motor
diretamente.
A indução mútua descrita pelo pesquisador Faraday em 1831 demonstra o
princípio da conversão de energia elétrica em campos magnéticos e da conversão
de campos magnéticos em elétrica, fundamento do modo de ação dos aparelhos de
EMT.
A EMT pode tornar-se um instrumento diagnóstico e terapêutico em vários
transtornos neuropsiquiátricos, incluindo a depressão.
Vejam a participação do Prof. D. Joel Renno Jr. no programa Papo de
Mãe (TV Brasil) sobre depressão pós-parto:
http://www.dailymotion.com/video/xmk8ig_programa-papo-de-mae-depressao-pos-parto-parte-01_shortfilms
http://www.dailymotion.com/video/xmk8mh_programa-papo-de-mae-depressao-pos-parto-parte-02_shortfilms
http://www.dailymotion.com/video/xmk8te_programa-papo-de-mae-depressao-pos-parto-parte-03_shortfilms
O programa foi exibido em 20/11/2011
Atenção!
Esse texto e esta coluna
não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se
caracterizam como sendo um atendimento. Dúvidas e perguntas sobre receitas e
dosagens de medicamentos deverão ser feitas diretamente ao seu médico
psiquiatra. Evite a automedicação.