Falta de informações atrapalha tratamento da tuberculose


quarta-feira agosto 1, 2012

Além de dificultar a adesão ao tratamento, a falta de acesso às informações sobre a tuberculose (TB) faz com que os infectados não procurem ajuda médica assim que apresentam os primeiros sintomas da doença. Outro problema é que profissionais da saúde não pensem a TB como possibilidade de diagnóstico, atrasando ainda mais o início do tratamento. Com isso, muitos enfermos acabam desenvolvendo a forma mais forte da doença, a tuberculose multirresistente (TBMR). A TBMR pode ser adquirida secundariamente, como uma evolução da TB, ou primariamente, com contágio direto com a bactéria na forma resistente. A duração do tratamento da TB, que fica em torno de seis meses, é de três a quatro vezes menor que a da TBMR, que varia de 18 a 24 meses. Isso prejudica o paciente e também o sistema de saúde, que paga um tratamento muito mais caro.

O estudo da enfermeira Kuitéria Ribeiro Ferreira, realizado na Escola de Enfermagem (EE) da USP, permitiu conhecer o perfil de pacientes portadores de TBMR inscritos em um Centro de Referência para a TB do Estado de São Paulo, no período de agosto de 2002 a dezembro de 2009. Nessa etapa do trabalho, foram analisados 188 pacientes com primeira notificação de TBMR. Não foram contabilizados pacientes que readquiriram a doença, no período estudado. “Os dados revelaram que a maioria encontrava-se na faixa etária economicamente produtiva, era do sexo masculino, tinha de quatro a sete anos de escolaridade e apresentava precária inserção no mercado de trabalho. Também era procedente do município de São Paulo, com histórico de tratamentos anteriores para a TB e apresentava alcoolismo e tabagismo”, diz a pesquisadora.

Em outra etapa, o estudo permitiu identificar, na trajetória percorrida por alguns portadores de TBMR desde a percepção dos primeiros sinais e sintomas da TB até a constatação da multirresistência, aspectos que podem estar associados à ocorrência da multirresistência. Foram feitas entrevistas com 19 pacientes, realizadas quando das consultas de acompanhamento no Centro de Referência. Em geral, as trajetórias percorridas pela maior parte dos pacientes revelam demora na busca da assistência médica no primeiro contágio da doença, principalmente pela não associação da enfermidade aos sintomas apresentados. “Há ainda demora na realização e obtenção do resultado de exames e no diagnóstico devido à dificuldade dos profissionais de saúde de integrar a doença no elenco de hipóteses diagnósticas”, afirma Kuitéria.

Outro fato importante é a carência de informações sobre a doença e sobre os serviços de saúde que oferecem assistência, tanto pelos profissionais quanto pelos pacientes. “Muitos começam a apresentar sintomas e não procuram atendimento. E, quando procuram, às vezes não recebem o diagnóstico e o tratamento corretos. Um paciente disse ter ficado dois anos procurando serviços de saúde até receber o diagnóstico de TB”, afirma. A TBMR apresentou-se em pessoas cuja situação evidencia condições precárias de vida, o que pode apoiar o entendimento de que se constitui como enfermidade que apresenta importante determinação social.

Os dados apontaram também que muitos pacientes pararam o tratamento para a TB anteriormente ao desenvolvimento da TBMR. “A maioria tinha história de dois ou três tratamentos anteriores à TBMR, mas teve um caso com dez tratamentos”. A não realização total do tratamento e a consequente ausência de cura faziam com que os sintomas reaparecessem. “Diferentemente de quando adquiriam a doença pela primeira vez, os pacientes retornavam rapidamente para buscar tratamento quando os sintomas reapareciam, pois já os associavam à doença”, explica. A pesquisadora enfatiza que a adesão ao tratamento representa papel central no controle da TB, principalmente na multirresistente.

Vínculo com a equipe


O estudo evidencia que, dentre aos vários aspectos que influem no tratamento está o vínculo estabelecido entre pacientes e profissionais das equipes de sáude. Quanto maior for a confiança e o vínculo entre os pacientes e os profissionais de saúde, menores são as chances de o paciente abandonar o procedimento. Kuitéria conta o caso de um paciente que confessou ter continuado o tratamento apenas porque a enfermeira insistia. “Ele falou que certa vez ela foi buscá-lo em casa para levá-lo até ao serviço de saúde, fazendo-o sentir-se querido e bem cuidado. É muito importante criar o vínculo entre equipe e paciente”.


Muitas pessoas não sabiam onde poderiam ter contraído a TB e, por não terem conhecimento da forma de transmissão da doença, acabam mudando hábitos, isolamento de utensílios talheres, pratos, copos e toalhas. “A doença ainda é estigmatizada e muitos relataram ter sofrido algum tipo de preconceito. É preciso divulgar informações sobre a doença para evitar essa situação e melhorar a adesão ao tratamento”, afirma. Kuitéria também conta que 15 dias após o início do tratamento a doença não é mais transmitida. Sendo assim, se o diagnóstico e o tratamento adequados forem aplicados rapidamente, pode-se evitar a propagação da doença.

Segundo a enfermeira, a TB na forma resistente trás muito sofrimento ao enfermo e à família. O estudo evidencia que a ocorrência da TBMR parece estar determinada não apenas por questões relacionadas ao paciente, mas também pelos processos de produção dos serviços de saúde. “É necessário buscar uma compreensão ampliada dos processos que determinam a ocorrência da TBMR e, para isso, é fundamental buscar entendê-la a partir da inserção social das pessoas que a contraem, com o intuito de conhecer suas necessidades e proporcionar a efetivação do cuidado em saúde, que não se limita à esfera clínica e biológica, mas se amplia para o entendimento de tais necessidades. São fundamentais as políticas públicas que proporcionem a universalidade no usufruto da dignidade da vida”, afirma.