O que fazer quando o paciente diz, Por favor, não conte para minha mãe?


terça-feira dezembro 16, 2008

Há alguns anos, na confidencialidade da sala de exames, um garoto da sétima série me contou que não tinha amigos de verdade na escola e que às vezes zombavam dele. Eu lhe expliquei sobre “bullying”: isso não deve ser tolerado e a escola pode fazer algo para combatê-lo. Vamos falar com seus pais, vamos pedir para eles conversarem com a escola; intervenções de adultos podem mudar a situação.

Ele ficou aterrorizado. Balançou a cabeça veementemente e pediu que eu não interferisse e, acima de tudo, não dissesse uma palavra à mãe dele, que estava na sala de espera porque eu tinha pedido a ela um pouco de privacidade.

O garoto não teria me contado nada se nossa conversa não fosse particular, ele me confidenciou. A situação na escola não era tão ruim assim; ele podia agüentar. Não corria perigo, não estava sendo machucado, apenas era um pouco solitário. Os pais deles, continuou o garoto, achavam que ele estava bem, que tinha um monte de amigos, e ele queria as coisas assim.

Quando tratam adolescentes mais velhos, pediatras rotineiramente oferecem confidencialidade em relação a muitas questões sociais, de sexo a drogas. Mas estudantes do ensino fundamental estão bem no meio – já são velhos o suficiente para as perguntas feitas aos mais maduros, mas ainda são jovens demais, o que torna menos evidente que questões devam permanecer confidenciais.

Nos exames de rotina com o pediatra do meu filho da oitava série, ano passado, eu, é claro, saí da sala porque não queria constrangê-lo ou inibi-lo. Queria que o pediatra tivesse a oportunidade de escutar o que ele tivesse para dizer (estou contando isso com a permissão expressa do meu filho). Porém, durante a minha espera, pensei naquele garoto da sétima série e naqueles estudantes do ensino fundamental que me disseram coisas. Eles me deixaram em conflito em relação à ética e à sabedoria da confidencialidade nessa faixa etária.

Não me refiro à criança que lhe conta algo claramente perigoso. Esses são “fáceis” (apesar de poderem ser tremendamente difíceis em certo sentido). Já tive minha cota desses: a garota de 13 anos apavorada com um rapaz muito mais velho que às vezes parece segui-la no caminho para casa. O garoto de 14 anos que tem pensado bastante na morte, desde o falecimento de sua avó. O estudante da sétima série que é espancado no playground. Não importa a idade, quando sinto algum tipo de perigo, explico à criança que tenho de fazer os pais saberem disso.

No entanto, quando falo com meus colegas – incluindo o pediatra do meu filho, Dr. Herbert Lazarus – conversamos sobre casos ambíguos. Porque nós valorizamos muito a confiança da criança e não queremos perdê-la.

Não me refiro à criança que confessa ter tomado uma cerveja com amigos um dia depois da escola. A maioria dos pais sensatos, acredito eu, sabe que, quando eles saem da sala de exames, nós vamos conversar sobre sexo, drogas e rocknroll com os filhos deles. E a maioria dos pais, penso eu, agradecem. Muitos estudantes do ensino fundamental parecem apreciar a oportunidade de mencionar que sim, eles tiveram em situações onde os jovens bebiam.

“Eles começam a conversa dizendo: Minha mãe não vai saber disso, certo?”, disse Lazarus, também professor associado de pediatria da New York University. “Aí eu falo o máximo que puder sobre o quanto isso é ruim, pois nós todos conhecemos os efeitos do álcool e da maconha. Existem estudos suficientes indicando o quanto eles são prejudiciais para o desenvolvimento do cérebro.”

Mas e se for mais que uma simples cerveja? Uma colega pediatra contou um caso: uma garota, de 13 anos, bebia e roubava garrafas do armário de bebidas dos pais. “Ela admitiu isso para mim”, disse a pediatra. “A garota bebia sozinha. Não era um bom sinal, não era beber socialmente.”

A menina não queria que a mãe soubesse, e a pediatra, que conhecia a paciente desde bebê, então elas negociaram um acordo: a médica aconselharia a mãe, dizendo que a garota precisava de ajuda, com a condição de que a garota fizesse terapia e discutisse a questão da bebida e outros problemas por trás desse com o terapeuta. Em contrapartida, a pediatra não contaria à mãe sobre a bebida.

Apesar de ter funcionado, a pediatra ainda se sentiu um pouco desconfortável. “Pessoalmente, fiquei muito mal”, ela disse, “porque se eu fosse a mãe, eu ia querer saber. Eu apenas disse a ela para prestar mais atenção na filha, sem entrar em maiores detalhes.” Mas e a criança que confia a você a informação de que foi zombado na escola, ou que as coisas não vão bem em casa? Queremos honrar a confiança da criança – ainda mais quando ela não conversa com os pais, porque queremos estar disponíveis para mais confidências caso a situação piore.

“A balança pesa em parte com base no nível de risco à saúde, no quanto aquele jovem é maduro, no grau de supervisão adulta recebida por ele”, disse Dr. S. Jean Emans, chefe de medicina adolescente do Hospital Infantil de Boston.

Especialistas afirmam que os anos do ensino fundamental são particularmente desafiadores. “É um equilíbrio sofisticado, pois é bom para o desenvolvimento dos jovens o desejo de ter mais autonomia. E é nessa hora que eles deveriam estabelecer, pelo menos em parte, uma relação particular e confidencial com um médico”, argumentou Carol A. Ford, diretora do programa de medicina adolescente da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill.

“É no ensino fundamental quando realmente vemos muitas mudanças no desenvolvimento sexual e social”, continuou Ford. “Se um jovem de 12 anos tem aparência de 18, não podemos achar que ele pensa como um de 18. Não podemos assumir que suas habilidades de negociar estão relacionadas com sua maturidade física.”

Ou, como coloca Emans: “Temos de fazer escolhas difíceis. Não existe um guia de consulta dizendo o que pode permanecer confidencial e o que não pode”.

Então, o que acabei fazendo no caso do garoto da sétima séria que me confidenciou não ter amigos na escola? Bom, fiz um monte de perguntas a ele e concluí que o garoto não tinha pensamentos suicidas (ou homicidas) e que a situação na escola não ameaçava sua integridade física. Pedi para ele conversar urgentemente com os pais, especialmente se as coisas piorassem – e agendei uma nova consulta para checar a situação.

No entanto, com a mãe do garoto, me limitei a um daqueles comentários “genéricos”: essa é uma idade em que ele realmente precisa do seu envolvimento, conversar sobre como vão as coisas na escola.

“Nosso papel como médicos é diferente do papel de mãe”, concluiu Ford. “Se perdemos a confiança da criança, perdemos tudo. No futuro, ela não vai nos contar o que acontece, e isso não é interessante nem para a criança, nem para os pais.”

Se eu fosse a mãe dele, eu ia querer saber. Mas como sou sua médica, preferi manter o assunto confidencial.