Câncer: como decidir a hora de tratar e a hora de esquecer


terça-feira agosto 26, 2008

Trinta anos atrás, Forbes Hill, de Brooklyn, Nova York, foi informado de que tinha câncer de próstata. Aos 50 anos, casado com uma mulher muito mais jovem e temeroso quanto aos efeitos colaterais mais comuns do tratamento da doença – incontinência urinária e impotência -, ele optou por um regime que os oncologistas denominam “espera atenta”. Passaram-se 12 anos e Hill continuava bem. Mas, em 1990, sua contagem de PSA – um indicador de atividade cancerígena – começou a subir, o que tornou necessário que ele recorresse à radioterapia.

O tratamento reduziu a contagem de PSA a praticamente zero. Em 2000, com a contagem de novo em ascensão, ele optou por terapia hormonal, o que funcionou por algum tempo.

Três anos atrás, com níveis de PSA estratosféricos, Hill foi informado de que o câncer havia se espalhado aos seus ossos e fígado. Era hora de recorrer à quimioterapia, um tratamento que, o paciente sabia, não traria cura, mas ao menos poderia retardar o avanço do câncer e prolongar sua vida.

O oncologista que cuida da saúde de Hill foi bastante franco mas não muito específico. O médico informou que, com um câncer em metástase avançada e resistente a hormônios, do tipo que ele vem sofrendo, cerca de 90% dos pacientes morrem em prazo de menos de cinco anos não importa que esforços os médicos realizem. Os 10% restantes conseguem sobreviver por seis anos ou mais.

“Eu não aceitei a notícia muito bem”, disse Hill, professor associado de estudos de mídia no Queens College, em Nova York. “Sempre imaginei que sobreviveria até os 90 anos, mas agora sei que isso não vai acontecer”.

Ele começou recentemente a fazer radioterapia para o cérebro, e está pensando em utilizar infusões de um medicamento experimental, mais tarde. “Tentarei quimioterapia por seis meses, mas se o tratamento se tornar desconfortável ou inconveniente demais…”, ele disse, deixando a sentença no ar. “Tendo vivido por 80 anos, eu fiz muita coisa. Não tenho motivo para acreditar que a vida me tratou injustamente”.

Hill parece preparado para o momento em que continuar tratando o seu câncer deixará de ser a abordagem correta, e para enfrentar a necessidade de substituir a terapia, quando isso acontecer, pelos preparativos para o fim de sua vida.

Mas médicos que estudaram pacientes como Hill dizem que muitas vezes eles não sabem ao certo quando chega o momento de parar. Em um esforço desesperado por viver um mês, uma semana, até mesmo um dia, a mais, eles optam por continuar tratamentos tóxicos e dispendiosos, e negam a si mesmos e às suas famílias os tratamentos que os hospitais podem oferecer para amenizar os dias finais de suas vidas.

Decisões difíceis
Especialistas em câncer ovariano no Centro Médico Universitário Case, em Cleveland, descreveram um estudo envolvendo 113 pacientes que sofriam de câncer ovariano, em artigo publicado em março pela revista Cancer. “As pacientes com menos tempo de sobrevivência”, eles constataram, “exibiam uma tendência a reforçar a quimioterapia nos três meses finais de sua vida, adotando tratamentos em geral bem mais agressivos, sem que isso resultasse em qualquer melhora em suas perspectivas de sobrevivência”.

A equipe concluiu que “nossas observações sugerem que, na presença de uma doença que avance rapidamente, medidas agressivas de tratamento como novos regimes de quimioterapia no mês final da vida do paciente, bem como a administração de quimioterapia nas duas semanas finais de vida, não estão associados a benefícios em termos de sobrevivência”.

Com terapias agressivas, a maioria das mulheres estudadas pelos médicos morreram sem benefício de tratamentos especializados para minorar seu sofrimento nos dias finais.

Thomas Smith, oncologista e especialista em cuidados paliativos no Centro Massey de Câncer, na Universidade Estadual da Virgínia, disse em entrevista que os pacientes precisam compreender o que eles têm a ganhar e a perder com os tratamentos que selecionam.

“A quimioterapia paliativa, o método proposto pela maioria dos oncologistas, tem por objetivo reduzir as dimensões do câncer e melhorar a qualidade, bem como ampliar a duração, da vida pelo maior tempo possível, mas evitando que isso cause excessivo sofrimento ao paciente”, ele diz.

A equipe de Cleveland apontou que o objetivo do tratamento pode mudar, e deve mudar. “Existe uma diferença entre quimioterapia paliativa aplicada no começo da trajetória da doença e perto do final da vida”, escreveram os pesquisadores. “O objetivo do tratamento no final da vida deveria ser o de evitar intervenções, como por exemplo a quimioterapia citotóxica, que têm grande probabilidade de reduzir a qualidade de vida sem ao mesmo tempo elevar os índices de sobrevivência”.

De fato, os pacientes que optam por tratamento de redução da dor, de preferência a tratamento agressivo, muitas vezes vivem mais e com menos desconforto, porque os efeitos adversos da quimioterapia podem apressar a morte, escreveu Smith em uma revisão sobre o papel da quimioterapia no final da vida, publicada em junho pelo Journal of the American Medical Association.

Alguns pacientes simplesmente se recusam a admitir que não há tratamento que possa salvá-los, e insistem em tratamentos de alta toxicidade mesmo que isso só acrescente alguns dias às suas vidas.

E há pacientes que ocasionalmente relutam em abandonar o tratamento porque sentem medo terrível de morrer, de ficarem sozinhos, sem tratamento, disse Smith em entrevista. Os pacientes podem temer, com alguma justificativa, que os médicos os abandonarão.

Não são apenas os pacientes e suas famílias que podem insistir em levar adiante tratamentos ativos até o amargo fim.

Existem casos de médicos que, de maneira sutil ou encoberta, encorajam esse tipo de escolha. Os oncologistas podem relutar em admitir que não têm mais condições de prolongar a vida de um paciente. Podem temer destruir a esperança do paciente, um fator que tem papel terapêutico. Ou podem se deixar influenciar subliminarmente pelo fato de que sua renda está relacionada a tratar pacientes e não a promover longas discussões com os pacientes e suas famílias sobre os motivos para que elas troquem a terapia por tratamentos de minimização da dor.

Smith diz que os tratamentos de câncer “têm preço elevadíssimo, de até US$ 100 mil por paciente/ano”, e que isso pode empobrecer até mesmo os pacientes cobertos por planos de saúde, porque esse tipo de tratamento em geral requer que o paciente arque com pelo menos 20% dos custos.

Ele insta os médicos a falar o mais cedo possível com os pacientes sobre a opção dos tratamentos para minorar a dor, mesmo que ainda haja opções de tratamento diferentes disponíveis, e que insistam junto aos pacientes em que eles não serão abandonados caso optem por essa forma diferenciada de cuidado.

Tratamentos de garantia do conforto
Embora não exista uma definição oficial quanto ao que constituiria um tratamento médico “fútil”, Smith sugere que o termo se enquadra a “tratamentos com baixa probabilidade de ajudar e com alta probabilidade de causar danos”.

A Rede Nacional Abrangente de Tratamento do Câncer estabeleceu algumas diretrizes quanto ao momento adequado para adotar tratamento de conforto.

Elas variam de acordo com a natureza do câncer em questão e com o elenco de alternativas de tratamento ainda disponíveis, mas em geral envolvem casos em que o paciente já tenha passado por três linhas de quimioterapia ou aqueles nos quais o status de desempenho – a capacidade do paciente para conduzir sua vida cotidiana – começa a decair.

Smith diz que a maioria dos regimes de quimioterapia só foram testados em pacientes que estejam em relativamente bom estado, que sejam capazes de se movimentar sem ajuda e que consigam executar a maior parte de suas tarefas cotidianas sozinhos.

Para os pacientes confinados ao leito ou a uma cadeira por metade ou mais do dia, “é hora de pensar seriamente sobre a manutenção do tratamento”, ele afirma. “É hora de conversar com os pacientes sobre as metas, riscos e benefícios de uma quimioterapia”.

Ele sugeriu que os médicos “exponham tudo por escrito – eis o que você tem, o que podemos fazer para tratar o problema, o que acontecerá com e sem e tratamento -, de modo a que todos estejam informados”, o que elimina o risco de que otimismo injustificado venha a colorir aquilo que os pacientes escutam.

Quando confrontado por um paciente que diz que faria qualquer coisa para viver dois minutos a mais, Smith diz que o médico deve perguntar até que ponto o paciente conhece sua doença, e como gostaria que passasse o tempo de vida que lhe resta.

Para a maioria das pessoas, ele acrescentou, o tempo seria gasto de maneira mais produtiva caso elas procurassem deixar os assuntos em ordem, preparar seu funeral ou serviço memorial, reparar relacionamentos destruídos, deixar legados duradouros ou se despedir das pessoas queridas.

Perguntas que os pacientes deveriam fazer
Pacientes equipados com fatos claros muitas vezes podem tomar melhores decisões quanto ao tratamento que receberão. Mas os médicos muitas vezes relutam em mencionar esse tipo de assunto.

Em uma resenha no Journal of the American Medical Association quanto ao papel da quimioterapia no final da vida, Thomas Smith e Sarah Elizabeth Harrington apresentaram uma lista de perguntas que os pacientes deveriam fazer – aos profissionais de saúde e a eles mesmos – ao considerar quimioterapia que tenha baixa chance de curar o câncer mas que possa prolongar a duração e melhorar a qualidade de vida.

Tratamento e prognóstico
– Quais são minhas chances de cura?
– Qual é a chance de que a quimioterapia faça com que meu câncer recue?
Mantenha-se estável? Cresça?
– Se não posso ser curado, a quimioterapia estenderá minha vida? Por quanto tempo?
– Quais são os principais efeitos colaterais da quimioterapia?
– Vou me sentir melhor ou pior?
– Há outras opções, como tratamento paliativo ou de redução do desconforto?
– Como outras pessoas tomam esse tipo de decisão?
– Há testes clínicos disponíveis? Quais são os benefícios? Sou elegível? — O que preciso fazer para participar?
– O que provavelmente acontecerá comigo?
– Por quanto tempo viverei? (Solicite uma faixa de possibilidades, e o prazo mais provável.)

Planejamento
– Há outras coisas que eu deva fazer?
– Devo fazer um testamento?
– Assinei procuração para que decidam sobre meu tratamento?
– Há questões familiares, financeiras ou legais que precisem ser resolvidas?
– Devo criar um fundo para gerir meus bens?
– Questões familiares: vocês podem me ajudar com meus filhos?
– Questões espirituais e psicológicas: quem pode me ajudar a superar?
– Legado e revisão da vida: O que quero transmitir à minha família que lhes informe como vivi minha vida?